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Partilha em vida: milagre, miragem ou mistério?
Mecanismo permitido pelo Código Civil pode ser visto como forma de evitar inventário, mas é um caminho de imprevisibilidade
As famílias são variadas, os patrimônios são diversos, mas há um objetivo cons-tante em quem procura uma solução em Sucessões: evitar um inventário. Por is-so, é comum que as pessoas se interessem pela partilha em vida.
Antes de explicar o que é uma partilha em vida, vale anotar que, caso exista al-gum patrimônio, a chance de não ter um inventário é muito pequena. Por mais abrangentes que sejam as estratégias de adiantamento da partilha, é quase im-possível uma previsão que consiga abarcar tudo antes do falecimento. Além dis-so, ninguém deve ter medo de inventário pois, feito com zelo e organização, não há de pesar no luto vivenciado.
Dito isso, a partilha em vida é um caminho permitido pelo artigo 2.018 do Código Civil de que o ascendente (pais, avós) transmita e divida o patrimônio ainda em vida, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários. Em uma primeira leitura, parece um milagre poder adiantar a partilha que ocorreria em inventário, evitando, assim, desgastes e desavenças. Mas é preciso conhecer os desafios desse plano.
Para os interessados, vale anotar que a partilha em vida pode evitar o inventário, mas não impede a incidência de tributos (repita comigo: planejamento sucessório não é evasão fiscal). A partilha em vida é tributada e, por ser uma transmissão gratuita de patrimônio, terá a incidência do ITCD, exatamente como aconteceria em caso de partilha por morte. Ou seja, é exatamente o mesmo imposto. Mas é preciso reconhecer que o adiantamento dessa providência garante a alíquota atual, sendo que o seu aumento é pauta constante.
No que concerne à formalização da partilha em vida, ela acontecerá por escritura pública ou dependerá de homologação judicial em caso de interesse de pessoas incapazes. Com isso, ela não vai afastar os custos que o inventário demandaria.
Mecanismo pode ser imprevisível
É preciso ainda destacar o papel que o tempo exerce nos efeitos dessa partilha adiantada. Depois que ela acontecer, o autor pode acumular novos bens, que te-rão de ser inventariados depois de seu falecimento. Mais desafiador ainda será o aparecimento de novo herdeiro necessário, que não participou da partilha. Nesse ponto, há uma divergência sobre o efeito – se a partilha será considerada nula ou se será refeito todo o cálculo para equiparação de participações, conhecido como colação. Em ambos os casos, o resultado é mais misterioso que um inventário comum.
Não bastasse, a partilha em vida transmite a propriedade dos bens. Com isso, aquele que constituiu o patrimônio não tem mais o domínio sobre ele. Ainda que haja o cuidado de manutenção de usufruto, não há mais a decisão sobre eventual venda. Uma reclamação constante de quem opta por esse modelo é querer alie-nar um dos bens e ter que lidar com a resistência de quem o recebeu. A frase “é meu, só está em nome do meu filho” é tão nonsense quanto frequente.
Por tudo isso, a partilha em vida é uma miragem. Parece um oásis distante dos custos e dos desafios de um inventário, mas é, na realidade, um poço de imprevi-sibilidade. Nesse quesito, se faz essencial conhecimento especializado para um planejamento personalizado e cuidadoso, porque em matéria sucessória milagres não existem.
Sobre a Laura Brito Advocacia – Com atuação em Direito de Família e Sucessões, a Laura Brito Advocacia foi fundada em 2015, em Belo Horizonte (MG), e tem como foco a seriedade e o comprometimento na apresentação de soluções aos problemas jurídicos provenientes das relações familiares e da transmissão de patrimônio. O atendimento é liderado pela advogada Laura Brito, que tem quase duas décadas de experiência profissional e acadêmica, além de expertise na pesquisa científica, sendo autora de artigos sobre Sucessões e Direito de Família e integrante do corpo editorial de diversos periódicos jurídicos.