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As dúvidas sobre certidões fiscais
Em que pese decisão do STF, certidões continuam a ser exigidas para atos de registro em cartórios e juntas comerciais.
Em que pese decisão do STF, certidões continuam a ser exigidas para atos de registro em cartórios e juntas comerciais.
Um dos maiores tormentos do contribuinte brasileiro está na obtenção de certidões negativas de débitos tributários. Nesse particular aparece com mais clareza do que nunca a desproporção entre o contribuinte e o fisco. Enquanto ao primeiro só resta pagar o tributo, ao segundo ocorre sempre a interposição de um obstáculo ao cumprimento de suas obrigações, tais como as de aceitar as compensações lícitas e previstas em lei, as de devolver com presteza os tributos pagos a maior, as de prestar as informações devidas, apenas para citar as mais comuns.
Ainda que a situação esteja melhor do que já esteve faz dois anos, o que decorreu de sucessivas e constantes reclamações, ainda constitui um calvário obter do fisco um documento que ateste a regularidade do contribuinte.
A base legal das certidões negativas se encontra na Lei nº 7.711, de 22 de dezembro de 1988, regulamentada pelo Decreto nº 97.834, de 16 de junho de 1989, e Decreto nº 99.476, de 1990, que condicionou uma série de atos à obtenção de uma "comprovação" da quitação de tributos federais e "outras imposições pecuniárias compulsórias".
Entre esses atos se encontram os da transferência de domicílio ao exterior, participação em licitações, registros junto aos órgãos de comércio, cartórios de títulos e documentos e de imóveis de certos documentos e operações de empréstimo junto a instituições públicas.
Em janeiro de 1990 foi interposta pela Confederação Nacional da Indústria perante o Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade contra a lei ADIN (nº 173-6, Distrito Federal), alegando a sua inconstitucionalidade.
A ação foi distribuída ao então ministro Carlos Madeira, que não concedeu medida liminar tendente a suspender as disposições da lei, que havia sido requerida antes do julgamento do mérito.
Entretanto, em março de 1990 o plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por unanimidade, que a liminar deveria ser concedida, relator o então ministro Moreira Alves.
Assim, ficou suspenso o artigo 1º da Lei, que exigia a "comprovação" de quitação de tributos federais como condição para os atos jurídicos acima assinalados. Em novembro de 1990, outra ADIN foi distribuída pela Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB (nº 394, Distrito Federal) com o mesmo pedido, pelo que foi apensada à anterior.
Com a aposentadoria do ministro Moreira Alves, ambas as ações foram redistribuídas ao ministro Joaquim Barbosa, que as levou a plenário para discussão de seus méritos, o que acabou ocorrendo em 26 de setembro de 2008.
O plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por unanimidade, que o artigo 1º é inconstitucional (bem como seus incisos I, III e IV e os parágrafos 1º, 2º e 3º).
As razões pelas quais o STF assim decidiu estão de acordo com a sua longa e indiscutível jurisprudência de que o fisco não pode impor sanções políticas como condição para o exercício da atividade econômica, como a que exige "quitação" de tributos para a formalização de atos e negócios jurídicos.
O contribuinte pode sempre discutir a validade de uma determinada exigência fiscal, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial. Assim, não pode ser penalizado pelo fato de estar fazendo valer o seu direito de acesso à justiça para obter uma decisão contrária à do fisco.
Além disso, o fisco conta com privilégios para a cobrança de seus créditos, com a execução fiscal e com a penhora de bens.
Em que pese esta decisão do Supremo Tribunal Federal, certidões continuam a ser exigidas para os atos de registro junto a cartórios e juntas comerciais.
A inércia natural da burocracia, cumulada com o receio de tomar decisões administrativas de ofício, sem provocação de terceiros considerados lesados e impetrantes de medidas judiciais, fazem com que a decisão da mais alta Corte fique a aguardar medidas concretas que a tornem efetiva.
Enquanto isso, milhares de atos e negócios jurídicos continuam aguardando, em todo o País, a emissão de certidões que comprovem a inexistência de débitos tributários.
Além do despautério dessa situação, existe total falta de justificativas para a exigência.
O que a simples mudança de nome de uma pessoa jurídica, ou de sede, ou decisão de capitalização de reservas, pode ter em referência com a quitação de tributos?
Seria o ato de registro em cartório de imóveis algo tão importante que merecesse se saber se o proprietário pagou ou não o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)?
Interessante observar é que muitos desses atos representam um acréscimo de patrimônio, o que deveria deixar o fisco mais tranquilo quanto à possibilidade de recebimento de seu crédito.
Nesse sentido, deveria facilitar a sua formalização, não o contrário.
A constatação dessa realidade, como de outras indicativas do amor brasileiro pela burocracia destituída de inteligência e de sentido, só aumenta o coro de muitas empresas estrangeiras que continuam a afirmar (e com razão, em muitos aspectos) que o Brasil é um país "difícil e complexo" para se fazer negócios.
Em muito contribuem para essa situação autoridades administrativas que deveriam estar atentas às decisões judiciais e aplicá-las, ao invés de se quedarem inertes, aguardando provocação judicial.